Você já parou para pensar a razão de Deus ter escolhido justamente um
livro como forma de perpetuar sua revelação específica? Ele poderia ter
optado pela tradição oral ou por uma série de outros meios, mas não: o
Todo-Poderoso quis se revelar por meio de tinta no papel. Será que isso
não nos diz nada?
Claro que quando falo “livro”, devemos lembrar que os manuscritos
originais (os “autógrafos”) não foram livros como os conhecemos hoje
(formato historicamente chamado de “códice”). As cartas e os textos
originais em que as verdades sagradas foram registradas eram
provavelmente pergaminhos feitos de plantas ou superfícies elaboradas
com couro de animais – a tecnologia disponível na época em que cada
texto foi escrito – e em formato de rolos enormes
. Mas,
independente do formato, entendemos que o recurso de registro daquilo
que o Autor da Biblia escolheu foi tinta sobre uma superfície. O que
hoje e por muitos séculos ganhou o formato que conhecemos por
livro.
Reconhecido isso, voltamos à questão inicial: por que um livro?
Quando analisamos a importância da literatura ao longo da História,
começamos a achar pistas que responderiam essa pergunta.
1. Livros provocam reflexão. Leitura exige silêncio e
concentração. Para ler é preciso uma certa introspecção, distanciamento
de vozes e ruídos externos. Por isso mesmo, ler nos leva a um
isolamento do mundo exterior, o que proporciona reflexão. E o Evangelho
exige reflexão, uma vez que se espera que o leitor receba a mensagem,
pense e, ao ser tocado pelo Espirito Santo, mude suas atitudes. Logo, o
livro é o melhor meio de transmitir uma mensagem destinada a mudanças de
vida, de valores e de atitudes.
2. Livros são acessíveis. O texto escrito nos
permite voltar a ele quantas vezes quisermos. Se Deus tivesse escolhido,
por exemplo, transmitir sua revelação por meio de uma casta de homens
que decorassem as palavras sagradas e as declamassem do alto de um
minarete diariamente não poderíamos recorrer quando quiséssemos a esses
homens. Livros estão à mão. Podemos buscá-los a cada momento que
quisermos em busca de comunhão, esclarecimento, respostas, consolo,
exortação. Por isso a tradução do texto bíblico para a língua do povo a
partir dos originais grego, hebraico e aramaico e, posteriormente, do
latim foi tão importante: permitiu que eu e você tivéssemos acesso
fácil, rápido e ilimitado às palavras inspiradas.
3. Livros viajam. No meio editorial existe um jargão
que se refere ao potencial que um livro tem de alcançar o maior número
possível de pessoas. Quando um editor de livros pergunta “esse livro
viaja?”, o que ele quer saber é se aquele livro tem potencial de
permanecer sendo lido por muito tempo, de ser traduzido em outras
línguas etc e assim alcançar muitos leitores. A Biblia em formato de
livro tem esse potencial. Ela ultrapassa fronteiras. Ela passa de pai
para filho. Ela perpetua seu conteúdo.
4. Livros não erram. Todo mundo já brincou de
telefone sem fio. Palavras ao vento são passíveis de erros, de gafes, de
falhas. Mas o preto no branco é imutável, está ali, registrado.
Naturalmente, é possível haver equívocos na copiagem ou na tradução, mas
aquilo que uma vez está registrado não se altera. É fonte segura.
5. Livros só se perpetuam se o conteúdo for relevante.
Se um livro tem conteúdo irrelevante ele vai deixar de ser editado, não
será reeditado, ninguém mais o venderá nem comentará sobre ele e essa
obra se perderá na história. Então, inversamente, se algum livro chegou
até as suas mãos décadas ou mesmo séculos após seu lançamento você pode
ter certeza de que contém um conteúdo que pelo menos vale a pena ser
lido – mesmo que você discorde dele. Por isso é tão importante ler obras
que tenham cinco séculos de vida ou mesmo textos como “Confissões”, de
Agostinho de Hipona, escrito há 1.600 anos. E o conteúdo da Bíblia
dispensa comentários, por isso a tamanha difusão.
Deus não escolheu por acaso a tecnologia literária para se revelar.
Ele escolheu o recurso mais eficiente e transformador. Por isso, ter um
livro em mãos é uma honra. Poder segurar uma obra que atravessou os
séculos mudando e influenciando vidas é um privilégio. Livros são
tesouros.
Diante dessa realidade, confesso que me assombro ao ver quão pouco o
povo de Deus lê. Embora o índice de leitura estatisticamente seja maior
no Brasil entre evangélicos do que entre membros de outras religiões,
ainda assim é irrisório. E, quando lemos, muitos de nós preferem ler
bobagens de autoajuda gospel, textos sobre vitória, relatos fantasiosos
sobre batalha espiritual, obras escritas por aquele pastor ou aquela
pastora que aparece na televisão… e ignoramos tesouros da literatura
cristã. Temos à disposição pérolas da teologia bíblica, como “A imitação
de Cristo”, de Tomás-à-Kempis; “As Institutas”, de Calvino; as obras de
Dallas Willard, John Piper, Sam Storms, Richard Foster, Alister McGrath
e tantos outros que têm dado brilho ao pensamento teológico e
devocional… mas damos preferência a certas leituras que valem menos que
palha.
Outro problema é que, do tempo escasso que temos ao nosso dispor,
preferimos gastar horas e horas e horas assistindo a programas de
televisão que não servem para absolutamente nada. Nada! Chega a ser
risível. A televisão é um meio que não gera frutos, se formos pensar
epistemologicamente. Meu Deus, o que nossos cérebros fizeram de errado
para lhes impinjamos tamanho castigo? Me perdoem os amantes da TV, mas
não consigo supor que se Deus fosse transmitir sua revelação nos nossos
dias ele faria num teledocumentário. Ou uma minissérie. Simplesmente
porque programas de TV não promovem nenhuma reflexão. Nenhuma mudança de
vida. Nenhum avanço. Nenhuma revolução. Nenhuma transformação. Nada,
nada, nada. São mero entretenimento feito para ser esquecido.
Somos uma civilização encantada pela irrelevância. Faça um exercício
de memória e tente imaginar a quantidade de assuntos diferentes que
passaram diante de seus olhos na tela da TV durante, digamos, uma
semana. Experimente, faça isso ag. Eu espero.
Pensou?
Conseguiu lembrar?
Se por acaso foi capaz de lembrar de algo, rsponda agora: quantos
desses assuntos de fato são importantes? Quantos enlevaram sua alma?
Quantos fizeram você ajudar mais o próximo? Quantos fizeram de você uma
pessoa melhor? Quantos te fizeram menos carnal e mais espiritual? E, tá
bom, esqueça o aspecto espiritual: quantos tiveram qualquer importância
de fato na sua vida? Ou foram apenas um monte de entulho de imagens e
sons que invadiram sua mente e não produziram nenhum benefício?
Muitos de nossos pastores estão deixando de ler. Com isso, põem de
lado a pregação das verdades fundamentais da fé para desperdicar
preciosos momentos de pregação falando sobre aquilo que está na pauta
dos telejornais e programas de debate de auditório. Como não têm
substância, não pregam pão, pregam jujubas. Esquecemos da relevância do
que foi consagrado no livro para a irrelevância do que está sendo
explorado na TV.
Fico imaginando Deus ouvindo as conversas do seu povo e pensando que
teve tanto trabalho para perpetuar suas verdades por um meio tão
fantástico como um livro e agora os que se chamam pelo seu nome pautam o
diálogo pelo que veem entre um plim plim e outro. Com uma Igreja
formada no máximo por má literatura ou horas e horas de TV, não é de se
espantar que o meio evangélico esteja tão cego, surdo e nu como está
hoje. O que nos espera? Tenho até medo de pensar.
A boa notícia é que esse quadro pode ser revertido. Para isso,
precisamos passar menos horas na frente da televisão. E passar mais
tempo lendo bons livros. Deixar de consumir audiovisuais prontos e
mastigados e absorver aquilo que faz nosso cérebro se desenvolver. Temos
que ler mais. Pensar mais. Malba Tahan já dizia que “quem não lê, mal
fala, mal ouve, mal vê”. Imagine então isso aplicado à nossa vida
espiritual.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
por
Mauricio Zágari - Gospel Prime